O Tribunal de Contas da
União (TCU) julgará, nesta quarta-feira (17), as contas de 2014 do governo de
Dilma Rousseff, último ano de seu primeiro mandato e quando ela se reelegeu.
Os ministros vão avaliar,
entre vários outros itens, uma questão polêmica: as chamadas “pedaladas
fiscais”, que já são alvo de um processo na corte. Um dos ministros, relator do
caso, disse que atrasos em repasses do Tesouro Nacional a bancos descumprem a
lei. O governo nega ter feito manobras fiscais.
O julgamento das contas
ocorre todo ano, como determina a Constituição. Nele, os ministros do tribunal
vão dizer se recomendam ou não ao Congresso a aprovação das contas do governo
do ano passado.
Entenda a seguir como será o
julgamento e o que são as “pedaladas fiscais”:
1. O que os
ministros vão analisar?
Eles vão avaliar se o
governo está cumprindo as regras na gestão dos recursos públicos, como a Lei de
Responsabilidade Fiscal. Será julgado o relatório sobre os orçamentos e a
atuação governamental, feito por diversos órgãos e consolidado pela
Controladoria-Geral da União (CGU), além do Balanço Geral da União, de
responsabilidade da Secretaria do Tesouro Nacional.
Pedaladas fiscais somam R$
40 bilhões, segundo o TCU
2. O que foram as
“pedaladas fiscais”?
É um nome dado a práticas
que o governo teria usado para cumprir as suas metas fiscais. O Tesouro
Nacional teria atrasado repasses para instituições financeiras públicas e
privadas que financiariam despesas do governo, entre eles benefícios sociais e
previdenciários, como o Bolsa Família, o abono e seguro-desemprego, e os
subsídios agrícolas.
Os beneficiários receberam
tudo em dia, porque os bancos assumiram, com recursos próprios, os pagamentos
dos programas sociais. Com isso, a dívida do governo com os bancos cresceu.
Segundo o processo aberto no
TCU, cerca de R$ 40 bilhões estiveram envolvidos nessas manobras entre 2012 e
2014.
3. Por que o
governo precisou disso?
Citando reportagens da
imprensa, o Tribunal de Contas da União diz que as "pedaladas"
serviram para aumentar o superávit primário (a economia feita para pagar parte
dos juros da dívida pública) ou impedir um déficit primário maior – quando as
despesas são maiores que as receitas, sem contar os juros.
Em 2014, as contas públicas
tiveram resultado ruim devido ao aumento de gastos do governo em ano eleitoral,
à ajuda para o setor energético e à queda real da arrecadação – resultado do
fraco nível de atividade da economia e das desonerações de tributos anunciadas
nos últimos anos.
E mesmo com manobras, o
governo não conseguiu cumprir as metas fiscais do ano passado e teve de enviar
lei ao Congresso Nacional para alterar os objetivos antes propostos.
4. Qual é o
entendimento do TCU?
As “pedaladas” ainda não
foram julgadas, mas o TCU avaliou, de forma preliminar, que os atrasos de
recursos para os bancos apresentam “nítidas características de operação de
crédito” (de natureza orçamentária ou extra orçamentária, conforme o caso)
entre a União e instituições financeiras oficiais. Ou seja, é como se o governo
tivesse tomado empréstimos de bancos como a Caixa Econômica Federal e o Banco
do Brasil, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
De acordo com o TCU,
trata-se de uma operação de crédito porque os bancos fizeram os pagamentos de
benefícios aos destinatários, como os segurados da Previdência, e o governo
ainda não pagou tudo aos bancos ou fez pagamentos com atraso.
O relator do processo no
TCU, ministro José Mucio, comparou, em abril, a prática adotada pela equipe
econômica do governo ao uso irregular de um cheque especial. Ele disse que “não
há dúvida” de que houve descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas
apontou que não há indícios de corrupção.
5. O que diz o
governo federal?
O governo federal, por meio
da Advocacia-Geral da União (AGU), do Ministério do Planejamento e do Banco
Central, admitiu que os atrasos nos repasses de recursos aconteceram nos
últimos anos, mas acrescentou que isso é uma “prática antiga”, registrada
também no governo Fernando Henrique Cardoso, e que as “pedaladas fiscais” não
representam operações de crédito propriamente ditas.
O governo argumenta que as
operações (que seria irregular se fosse um empréstimo feito de bancos públicos
para a União) têm origem em contrato de prestação de serviços, como se
houvesse, por exemplo, atraso no pagamento de um aluguel.
Em maio, no Congresso
Nacional, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, admitiu que as chamadas
"pedaladas fiscais” atingiram "valores muito excessivos, o que não é
prática usual e recomendada". Mas acrescentou que esse procedimento não é
ilegal, pois, em sua visão, não constitui empréstimo de bancos públicos para a
União.
6. Quem deve se
explicar?
Sobre as “pedaladas
fiscais”, o tribunal cobrou explicação de 17 gestores do governo federal, entre
eles o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, o ex-ministro da
Fazenda, Guido Mantega, os ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e do
Trabalho, Manoel Dias, o ex-secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, e o
ex-presidente do Banco do Brasil e presidente da Petrobras, Aldemir Bendine.
7. O que acontece
se as contas não forem aprovadas?
O TCU não tem poder para
reprovar as contas do governo. O que a corte faz é elaborar e votar um parecer
que sugere ou não aprovação, que pode ser com ressalvas. Esse parecer, então, é
encaminhado ao Congresso que, aí sim, tem a responsabilidade por fazer o
julgamento político da atuação do governo.
O trâmite prevê que o
relatório do TCU deve ser avaliado pela Comissão Mista de Orçamento e, depois,
pelo plenário da Câmara e do Senado. Se as contas do governo forem realmente
rejeitadas nessas votações, a presidente Dilma Rousseff pode ser alvo de um
processo de impeachment.
Uma das razões é justamente
o caso das “pedaladas” que, para o TCU, fere a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Entretanto, nunca as contas
de um presidente brasileiro forem reprovadas. Em 1937, durante a ditadura de
Getúlio Vargas, o ministro do TCU Carlos Thompson Flores apresentou parecer
pela rejeição das contas do governo do ano anterior. Seu parecer, porém, não
foi aprovado pelo plenário da corte.
O que é o TCU e
para que serve?
A Constituição de 1988
conferiu ao TCU o papel de auxiliar o Congresso Nacional no exercício do
controle externo. Entre as competências constitucionais estão apreciar as
contas anuais do presidente da República; julgar as contas dos administradores
e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos; apreciar a
legalidade dos atos de admissão de pessoal e de concessão de aposentadorias,
reformas e pensões civis e militares; realizar inspeções e auditorias por
iniciativa própria ou por solicitação do Congresso Nacional; fiscalizar a
aplicação de recursos da União repassados a estados, ao Distrito Federal e a
municípios; determinar a correção de ilegalidades e irregularidades em atos e
contratos; emitir pronunciamento conclusivo, por solicitação da Comissão Mista
Permanente de Senadores e Deputados, sobre despesas realizadas sem autorização;
e apurar denúncias apresentadas por qualquer cidadão, partido político,
associação ou sindicato sobre irregularidades ou ilegalidades na aplicação de
recursos federais.